domingo, 22 de abril de 2007


As cortinas se fecham. Do pequeno rastro que me deixa livre ao outro lado, vejo pouco: azul, branco, verde. Uma aquarela intermitente poderia se formar, caso não soubesse o que delimita tais cores. O mesmo que me tira a visão, me tira também a audição, o balançar dos cabelos e a pureza do que não se pode ver. Ao formar-se com seu par, tais cortinas me deixam na solidão desnecessária para aquele momento. É como se o mundo inteiro tivesse se restringido a uma pequena parcela do céu e dos coqueiros.
Basta fechar os olhos, para começar a enxergar além do que se pode ver. O banco na beira da praia rodeado de pais que olham seus filhos correrem de sungas para lá e para cá, com gritos alvoroçados e felizes, de crianças que, de longe, vivem toda a crueldade que as cerca. A inocência nos olhos das mesmas passa a ser anulada pela inquietação eminente nos olhos de seus antecessores, pois dali ao momento próximo aquela poderia ser a última corrida, a última brincadeira e o último sorriso.
Não há lugar seguro. A segurança é um direito que não pertence mais às pessoas, à natureza ou aos animais. Quem sabe os carros, poupanças ou mobílias possam fazer melhor proveito delas?
Perdeu-se no mundo. E seria como procurar o último grão de areia formado na beira da praia. A mesma que afunda os pés, que constrói castelos e que os destrói. A mesma que guarda vida, que guarda esperança. Afinal, quem nunca procurou o impossível a cada monte de areia retirado do seu lugar. O máximo que achei foi mais areia. Com uma variação de cores, tudo bem, mas o que não anula sua essência.
A essência se perdeu no mundo. Essência de ser humano. Seja ele pobre, rico, branco, negro, amarelo. A essência é a mesma. E quando disseram que todos os homens são iguais perante a lei, era a isso que se referiam - pelo menos no meu conceito teórico, já que na prática ocorre totalmente o inverso. Do respeito, do amor, da vida. Nós ganhamos de presente o mundo inteiro. E o mundo inteiro, o que ganhou de presente? Aliás, o que ele perdeu, como presente?
A cada minuto que a vida celebra, a morte espera. Mas, mais uma vez, querem inverter os papéis, deixando que a morte seja o tão celebrado momento. Será por isso então que bebês choram ao nascer? “Me deixe continuar morrendo!” Bem sarcástico para uma bolinha de vida que quase não enxerga ainda. Mas, o mais sarcástico, é ver crianças com ar de gigantes acreditando ser os donos do mundo, que tudo podem, que tudo querem. A vida não é um dever: é um direito. Assim como a morte. Cada um tem o direito de nascer e morrer da forma como lhe foi guardada.
Vida humana. Mas, então, de onde vêm os barulhos que me cercam agora? Agora, nesse instante, em que minha mar dorme e tudo está fechado, esperando o dia acordar para poder viver de novo. É essa a aparência que os objetos de casa me trazem: a que eles dormem com a lua e acordam com o sol. Mas, se fosse assim, realmente, os trincos de portas e janelas devem estar com insônia ultimamente. Ou então eu ganhei novos amigos, quem sabe.
Voltei para a praia, para a cortina e para o seu par.
Costumava acordar todo domingo às 8:00 da manhã com a celebração de tambores e ardentes vozes, em meio a um objetivo que nunca descobri. Revoltava-me ter meu sono interrompido por anarquistas que madrugam em pleno fim de semana. Vejo, hoje, o quão tropeço nas minhas próprias opiniões: sempre disse que não se deve julgar os outros pelo o que se parece, no entanto, diversas foram as vezes em que já me deparei comigo mesma. Percebe-se, que o primeiro conceito é relembrado apenas quando a vítima passa a ser você mesma, já que é bem difícil para muitos pensar no próprio bem-estar e ao mesmo tempo no bem-estar do outro. Mas é, eu venho tentando.
Sim, voltando a parte em que eu acordava... Acordei diversas vezes ignorando toda a luz que me cobria, e toda a alegria e simplicidade daqueles que comemoravam algo incomensurável na minha cabeça de adulto. Digo de adulto, porque quando em vejo cega para pequenos detalhes como esses, é porque vejo a criança que sempre existiu em mim adormecida. Isso já não é o caso de desespero: agora costumo acorda-la todos os dias, na mesma hora em que me acordo, pois, para encarar a realidade com a incoerência de um adulto, é como se jogar de um precipício que continua caindo, lentamente, sem fim.



Durante muito tempo vou me restringir a apenas observações e escritos não pensados os quais guardarei aqui. A dormência de estudos poderia me trazer o mais puro dos alívios de prolongadas férias, mas em seu lugar reside a interminável inquietação das palavras que nunca calam.


Um comentário:

Júlia Normande disse...

é sempre vantajoso qualquer tipo de demonstração artística...
adorei, ju
é muito bom exercitar o pensamento através das palavras, é gratificante...né?
continue fazendo! isso tudo é lindo :)