segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

17.12.2007

A cidade fechou os olhos. Por dois segundos me peguei parada na cadeira olhando ao redor, mas as pupilas ainda não tinham dilatado o suficiente para reconhecer aquilo que vejo todos os dias. A minha avó não gosta de escuro, eu esperava apenas o tempo suficiente para poder caminhar pela casa livremente, porém, antes disso, ouvi a sua voz me chamando, aliás, para apenas confirmar que eu estava mesmo ali por perto.
Fui até a sala e acendi a lanterna que fielmente todas as noites ela carrega até o sofá, por precaução. As pilhas, no entanto, estavam falhas, seria necessário apelar, pois a minha avó não é do tipo de pessoa que espera 3 minutos para que se faça o melhor, o suficiente feito em meio minuto é o seu limite. Então fui a cozinha, peguei o fósforo e a vela (é, ela também separa esses objetos como precaução, para quando as pilhas estiverem fracas, como dessa vez) e trouxe-os de volta à sala.
A luz laranja é o único modo de se enxergar nessa escuridão em que nos encontramos. Ela ali, na sua cadeira de balanço, com as pernas apoiadas na cadeirinha a sua frente, olhando para um nada, sem direção, mas com um turbilhão de pensamentos na cabeça. É assim que ela se encontra na maioria dos dias, pensativa. E eu gostaria de nessas horas poder saber o que estaria se passando, quais lembranças estaria revivendo e de quem é a saudade que sente.
Se o meu avô estivesse aqui ele contaria uma história, daqueles que têm uma moral quando chega ao fim, e que sempre me deixavam arrepiada, ou então uma de terror: creio que a minha cara apreensiva o divertia, mas ele nunca me deixara aflita, eu adorava.
Essa sensação é estranha, parece que a vida escorre pelos dedos e que esse próximo momento é menos uma oportunidade, menos um minuto.
Passeio entre os olhares de vidro que estão na minha sala, entre os corpos invisíveis que aqui descansam e entre o passado e o futuro que me criaram. Nunca fui sempre igual, mas ajo do mesmo modo. Não espero que as coisas aconteçam, nem escuto o que me dizem pra fazer; faço e falo sem medir as conseqüências, sem pensar. Costumo preferir o arrependimento pelos meus atos que pelas minhas vontades omitidas.
Não existe um meio termo: para cada momento há sempre duas possibilidades que no fim darão continuidade a estradas totalmente distintas, porém coerente. Não há uma volta, mas pode haver um conserto: erros implicam aprendizado, e isso é fato.

Olhe sempre para frente, sem, no entanto apagar as lembranças: estas nos dão forças e coragem. Cuidado, apenas, para não querer ver além do que se pode enxergar: em um longo caminho há períodos de luz e há a falta deles, há também as grandes projeções que veremos a frente, porém, não passam de imagens que, dependendo de quem olhe, ilude por tempo suficiente para a queda nunca ser esquecida. Não precisa dizer o que é, ou o que não é: faça apenas o melhor que pode ser feito: a própria consciência é a mais concreta prova de que você é a referência de si mesmo, e não a projeção a partir de outrem.

domingo, 9 de dezembro de 2007

"Criou-se um circulo vicioso, onde a demanda por cuidados com a juventude, a beleza, a forma física, a realização sexual e o bem-estar perene nutre-se da miséria econômica dos mais pobres e alimenta a miséria psíquica dos mais ricos.
O que era antes refúgio contra a dureza do mundo e espelho da moralidade, deu espaço a um conjunto de indivíduos que possuem a chave da mesma casa, como disse um humorista. A família virou palco de querelas entre adultos e adolescentes, pelo “direito à felicidade” ou à “relização do próprio desejo”, tornando-os mais intolerantes uns com os outros. O exercício da solidariedade é dinaminatado do topo à base." (Parte do texto "A ética democrática e seus inimigos")

Começo, por assim dizer, transtornada pela situação em que me encontro: de olhos abertos, diante de uma realidade omissa a tantos que se dizem críticos e bem resolvidos. Não sou uma coisa nem outra, pois para alcançar tal estágio de indignação nenhuma dessas qualidades teria efeito, a não ser retrógrado.
Já cansei de me perguntar e perguntar aos outros o que se faz, como se faz e onde se faz: se faz? Ninguém sabe responder. Não os culpo, pois seria bem injusto da minha parte atribuir culpa a ele ou a outrem. São as nossas raízes e atitudes (alias, a falta delas) que ficaram para trás e brotaram o que hoje temos de mais incoerente: diferença.
Esta, não se reflete nos gostos, nos modos nem nas opiniões. No entanto, se torna gritante ao comparar os direitos naturais dos seres humanos.
As pessoas já deixaram de acreditar que algum dia possa haver mudança e uma melhora em qualquer que seja o aspecto. Já deixaram de acreditar até mesmo naquele sentimento que é a base de todas as relações: sejam elas particulares ou profissionais. O amor já caminha entre futilidades e utopias, que muitas vezes já não se consegue nem mesmo projetar. Até mesmo o amor entre pais e filhos, uma vez que esse é tido como mera relação de necessidade e dever. É assim mesmo?
Hoje na missa do 2º Advento, no comentário liturgico, uma senhora fez um breve relato de uma suposta história que me chamou a atenção. A história, dita por ela como fato verídico, era contada às crianças que lá estavam. E isso me deixou feliz, pois me fez lembrar da minha época de historinhas com uma moral cujos dizeres sempre me deixavam pensativa. Senti-me com 7 anos de idade, deitava no sofá da sala, com o meu avó alisando meus cabelos e me contando uma das muitas para a minha coleção. Ele adorava. E eu também.
Pensei, então, que hoje, é isso que falta! Mas não foi o meu avô quem levou embora, simplesmente toda essa reciprocidade de alegria e satisfação perdeu-se num mundo onde a felicidade é buscada em lugares adversos, com 'tecnicas solucionadoras de problemas' ou em pessoas que você nunca viu antes.
Voltando à história da Igreja, a Senhora perguntou quem conseguia ver Jesus nbo proximo. Muitos levantaram a mão, no entanto, ela tornou a perguntar, mas acrescentou "Quem consegue ver Jesus no próximo que dorme nas calçadas cobertos com papelão?" As crianças que estavam sentadas nas duas primeiras filas ficaram pensativas. Elas consegueriam? Eu não as julgaria pela falta de resposta, afinal, quantas vezes olhamos com indiferença ao passarmos por uma cena semelhante?
Nós, ao não fazermos nada para ajudar, e, com o silencio, consentir com o tudo no mundo, damos direito e até mesmo a obrigação de todos eles, aqueles que nada têem, de agir na mesma proporção. Eles aprenderam bem a lição, e mostram seu aprendizado a cada que assaltam, matam, estupram ou sequestram. Li hoje, nesse mesmo texto, que eles aprenderam muito bem a lição que seus mentores, ou seja, nós mesmos, os ensinamos.
E todo o sentido de mundo, de união e fraternidade desaparece num piscar de olhos, devido a indiferença que todo ser humano trata as questões que não dizem respeito ao próprio nariz.
Será assim por muito tempo ainda, e eu não sei como muda.



No mundo em que se vive, já não se pode distinguir entre a “miséria econômica dos mais pobres” e a “miséria psíquica dos mais ricos”, uma vez que ambas padecem no vazio de um abismo semelhante.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Desafio

A inovação causa medo, inquietação e insegurança. Incontáveis são as vezes que me deparo com atitudes alienadas em virtude da falta de conduta diante de uma situação que peça diversidade: nós, desde pequenos, somos acostumados a seguir os mesmos passos dos que já foram, sem perceber, no entanto, que isso nos coloca exatamente no mesmo lugar. É mais ou menos como nadar contra a forte correnteza de um rio durante longos minutos, e perceber que ainda se encontra diante daquela estrela no fundo do mar.
A ilusão de crescimento que resulta dessas atitudes nos faz imaginar voando para longe quando na verdade não ultrapassamos meio metro do chão. Tal conseqüência, apesar de lógica, tornou-se quase imperceptível pela maioria das pessoas que me rodeiam: é a mesma mania inquietante de nunca seguir o lado de lá.
Que seja meu o primeiro passo, então, já que nos encontraremos logo ali - ou seria logo lá? - na frente. Sim, os caminhos das nossas vidas são como dois S invertidos, que se encontram e se separam a todo tempo: esse é o desafio.

sábado, 22 de setembro de 2007

(...)

Ele saiu puxando-a pela mão, como quem se arrisca primeiro ao perigo para livrá-la de qualquer eventualidade. Ela caminhava olhando sempre para o chão, observando toda a magnitude da harmonia entre seus pés, e pensando sobre coisas que não faziam sentido, não para aquela hora. Ele parou, olhou pra trás: eles se viram pela primeira vez denovo.
Não foi preciso falar mais nada. Naquele momento tudo ao redor explicava mais que qualquer palavra. A melodia soava aos ouvidos até mesmo de quem não queria ouvir, e o céu passeava tranquilamente. Eles tinham o mundo inteiro nas pontas dos dedos. Agora, não existia nada além...

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

desconhecido

De repente fez-se noite e a menina dos olhos perdeu-se no tempo. O que dava-lhe vida fundiu-se ao redor, e em vão ela tateava as proximidades em busca de algo conhecido, mas o anátema que lhe estava proposto era imutável. Esmerou-se durante um longo tempo em desenhar tudo o que almejava naquele instante... parou então ao sentir o amuo externo ao qual tinha se colocado. Ela sentou com a única esperança de que alguma hora ele chegaria...

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Incompleto

Engraçado, agora só me resta eu e todas as outras mesas vazias. Será que eu seria capaz de tanto? Talvez fosse melhor me acomodar em outro local, caso contrário, me sentirei responsável pela quebra de mais um café. E que não achei nada de errado escrito na testa, tanto é que antes de sair ainda dei aquela olhadinha no espelho, só por vir das dúvidas.
O garoto que me atendeu me observa com dúvidas: mil e uma coisas devem se passar pela cabeça de alguém quando avista outra, um longo tempo, apenas na companhia de um café numa linda tarde de sol.
Mas se tem uma coisa que assusta é esse vazio que se sentou na cadeira da frente. É quando várias lembranças revivem na memória e você não mais consegue acompanhá-las.

(...)


OBS: Eles não se calam. Tampouco se dão ao mínimo esforço de diminuir o tom de voz. Isso me lembra toda a confusão na qual me perdi. Ou será que finalmente me achei? Se encontrar em meio a uma multidão sempre me foi um desafio.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Pressa Faminta/A fila.

Saí morrendo de fome.
Aquela hora da noite não tinha nada que me interessasse o bastante para ter a paciência de esperar. Eu tinha fome e pressa. Precisava chegar logo, sabe? Nem tanto pela chuva, mas faltava tempo...
Aliás, não era exatamente isso, nessa ordem: talvez fosse eu mesma faltando no tempo que me tinham dado.
Ter a sensação do passar das horas no relógio e não conseguir impedir é se sentir inútil em meio a tudo que nos rodeia. Dali a pouco – agora- acontece, e pronto! Não é como nos filmes: nesse contexto a gente não admite que se volte, que se tente melhorar ou que não se faça. Às vezes, não nos resta nem a possibilidade de pensar: a velocidade muda de um para outro, percebem?
Embora, aparentemente, a indução seja ao erro, até que tudo se encaixa numa perfeita sintonia: não são os erros ou acertos que pesam no resultado, e sim o modo como se encara as consequências.

“Tudo tem seu lado positivo” – nunca me cansaram de dizer isso. Engraçado, eu não sou a pessoa mais indicada para receber esses certos tipos de aviso, porém, não os desprezo. Talvez o inconsciente só precise de um empurrãozinho... É que dá uma sensação de pessimismo ouvir isso, sabe? Não que fosse uma coisa ruim, mas como se achassem que eu guardasse isso... Coisa que desprezo é irradiar certos tipos de sentimentos para as pessoas: seja quem for, aonde for. Portanto, um mero pedido: sejam sinceros com as tristezas, nos faz sentir melhor que espalhar por aí os clichês impostos pela vida.
Um detalhe: ao lerem, se lerem, não pensem que eu, que aqui escrevo, sempre fui adepta de tais conclusões. Pelo contrário, elas me vieram com o tempo e aqui permaneceram durante longa data. Foi preciso além disso para me fazer enxergar que nem sempre os papéis seriam a saída pra tudo. No entanto, as palavras sim!
É que algumas vezes só funciona quando ditas, ou gritadas até. Não tenham medo. E também não pensem demais. Sejam um pouco de tudo: práticos e reflexivos.

- Pessoa prática: aquela que acredita que agir vale mais que pensar.
- Pessoa reflexiva: aquela que pensa antes de todas as atitudes, e deixa muitas de lado pelas propagações que as mesmas teriam.

*OBS: há certos erros que não devem ser evitados, são necessários. Mas não persista no mesmo lugar: ele é provisório e a fila é enorme!

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Feche os olhos, mas mantenha-os bem abertos.

Fechei os olhos.
Apesar do abismo de toda uma escuridão, ainda assim escuto. Diria que está chovendo, não muito, mas o suficiente para nos molhar, caso estivéssemos passeando pela beira da praia. Ao fundo, há uma canção, uma melodia que instrumento nenhum é capaz de produzir.
Andávamos ao ritmo dos ventos, ao soprar forte da noite, ao frio gelado que nos fazia cair um nos braços do outro. Continuo de olhos fechados, mas meus pés ainda assim se movem: guiados pelos seus passos. Você me levaria exatamente por onde está indo, mas meu trôpego andar me faz cair em armadilhas das quais você não suspeita. O destino já te presenteia com as mais diversas carapuças, e as minhas só dizem respeito a mim mesma. Não, a nós mesmos. Mas apenas eu sou capaz de ultrapassar cada uma delas, uma a uma.
Milhares de carros passam ao nosso redor. Mesmo estando tão junto ao mar, estamos junto a estrada na mesma proporção. Na caminhada da vida é assim: em meio a sonhos e realidade caminhamos, variando sempre entre o possível e o teoricamente impossível. Minhas idéias, você sabe, nunca me fizeram desacreditar em alguma possibilidade. Tudo é possível. Por que não seria?
Meus olhos não abrem, ainda optam por observar as coisas sob outro ponto de vista, ou sob nenhum deles. Apenas barulhos, sensações, cheiros: do vento, do frio, do leite quente. A percepção individual de cada um deles me faz pôr as palavras à margem, deixando disposição apenas aos entendimentos.
Ninguém consegue explicar como se aprende. No meu lugar, eu também não gostaria de saber. Sabe, obediência nunca foi o meu forte... Não que eu infrinja todas as regras, mas eu costumo seguir apenas aquelas que realmente convergem àquilo que sou. E não me peçam para explicar essa última parte, começa a ficar obscuro quando feito sem naturalidade. Poucos percebem, já disse.
Faltou-me o ar, meus olhos se abriram. Aonde você teria ido? Era apenas eu, agora... Engraçado, quanto equilíbrio. Ainda achava que minhas mãos ainda pertenciam ao seu rumo. Mas, então.. Não era o seu rumo? Não, era o nosso. E foi assim que caminhamos; durante quanto tempo, não sei dizer. Mas tempo suficiente para não ter como explicar.
Costumo também dizer que as explicações só nos faltam nas horas em que algo realmente faz sentido. É como se fossem opostos: palavras sempre explicam a teoria, mas a prática é exclusiva de nós.
A noite estava tão escura quanto a visão que eu não tinha. Mas existia uma diferença. Ou melhor, existia a diferença: eram as estrelas. São elas que nos guiam quando os passos falham ou tropeçam. As referências de nós podem muitas vezes perder o brilho, mas as estrelas nunca nos deixam perder o rumo. Pelo menos elas tentam, e no fim das contas, deixam que nossos próprios atos reflitam a nossa vontade.
Foi noite durante um bom tempo, e quase seria noite para sempre. Fechei os olhos mais uma vez: na intenção de entender o abismo no qual me perdera, achei os sonhos que me faltavam.
Quando acordei, tinha amanhecido... Engraçado como, mesmo de dia, eu ainda continuava a sonhar. Era você.
A realidade vez ou outra me mostra que os obstáculos ainda existem, mas o outro lado de lá me mostra sempre que ainda é só o começo.
De sonhos, conquistas e perdas.
De sons, cheiros e sentidos.
De nós, de mim e de você.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

A falta de convívio com papel, caneta e afins, às vezes, me faz acreditar que, de repente, perderei todas as palavras e significados. Como água escorrendo entre os dedos, sabe? A mão até fica molhada, mas no fim das contas não há nada além do que a sensação que aquilo ali deixou. Estranho, é exatamente assim... Não haveria outra forma, outro sentido, outro jeito...
Dos muitos autores que já, um e outro sempre dizem que chega uma hora que nós temos que olhar aqui dentro e ver quem realmente somos ou o que queremos. Mas sabe quando a realidade a sua volta ofusca tudo que vem de dentro pra fora? Não sabe? Tá, nem queira saber então... Essa não é uma daquelas sensações que eu recomendaria.

Todo dia é sábado e domingo. Aliás, sabado e domingo não... Todo dia é sexta a tarde. É uma espectativa pelo o que tem pela frente, e uma aversão sem cabimento pelo que ficou pra trás. tudo bem, meus dias da semana nem saão tão insuportáveis assim, é porque às vezes cansa... viram horas vazias. E, como já dizia minha irmã, horas vazias são um prato cheio para o eu de cada um. O problema é que, nem sempre o tal eu se encontra sozinho, e a devida companhia não é sinônimo de bondade. Pode ser e pode não ser: dois lados da moeda.

Jogo-a mais uma vez, cruzando os dedos para a "cara" dar lugar a minha "coroa".

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Conflito.



Agora somos apenas nós duas: eu e eu mesma. Subtraindo o tempo em que não mais nos encontramos daquele que eu escolhi para outros planos/pessoas, restou-me um belo saldo negativo. É, em dívida comigo mesma: antes fosse qualquer outro alguém sem tanta importância.
Procuro buscar na essência de mim os meus controles e limites: os dois têm de funcionar juntos, do contrário, não funciona. Sempre disse que esse jogo de esconde ali e acha aqui nunca dava certo, mas os meus passos insistiam em ser maiores que os meus pés. “Só cai quem está em pé”, ouvi dizer. Vendo por esse lado, nunca percebi tamanha coerência.
E agora, querida eu, fala mais alto, que meus ouvidos parecem as vezes aumentar demais a música. Aprendi desde pequena, que para se ouvir ao redor é preciso cantarolar sempre, mas numa freqüência alta o suficiente apenas para não cair na monotonia.
Minhas cirandas me levam pro mesmo lugar onde parei e nunca me deixaram sair: no quintal florido habitado por filhotes caninos, nos sonhos onde eu nunca conseguia correr, mesmo que o perigo estivesse ao lado.
Compreensível os dias sempre me levarem de volta aos meus dias de criança: o meu espírito estará vivo em todos os tempos, a todos os momentos, mas as minhas atitudes são dignas de reflexos. Reflexos dos meus 18 anos.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Daqui pra lá, de lá pra cá.



Quem constantemente pisa em ovos, procura sua solidez nas reações alheias, como se a conseqüência disso ou daquilo não os atingisse. Pelo menos não diretamente.
Sempre foi assim, e eu enxerguei por longos momentos essas experiências de perto: garanto, nunca na minha vida desejaria ser uma ponte. Se olharmos bem detalhadamente veremos que ela não tem utilidade alguma, pois o que importa realmente é onde se está e onde se quer ir. Eu nunca fui um meio termo tampouco uma passagem de tratores e afins. Pobres pontes frágeis: sem essência, sem margens e sem rios.
Rios dos famosos sonhos, separa-me de todas as pontes existentes no mundo, e deixa-me construir cada uma delas com os ramos que a vida conservará. Dispenso os engenheiros e todos os cálculos, porque eles possuem erros irreparáveis. Eu, no entanto, nunca me assegurei ser tão certa... Mas errar por mim mesma é bem mais gratificante que ser atingida por erros de outros não-eus.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Passatempo.

Tempo passa. Passa tempo.
Foi ontem que nós nos conhecemos. Não, não. Não ontem. Mas um dia atrás que, consideravelmente, não é hoje nem tão longe pra se considerar um passado. Apesar de ter na mente que passado é tudo aquilo que já aconteceu, tenho uma percepção de tempos remotos que se perderam no tempo. Nós não nos perdemos, não ainda, enquanto escrevo.
Tempo passa. Passa tempo.
Os dias castigam, assim como a falta de água castiga todas as flores que esperam brotar na primavera que se aproxima. Elas guardam, durante meses, todo o sentimento que as rege, toda a energia, toda a vida! Mas elas, unicamente a sós, não podem fazer viver. É como um par: um não existe sozinho. A água por si só pode até existir, porém, é a necessidade de sobrevivência que a faz pura.
Tempo passa. Passa tempo.
Já é outono e somos quase passado. Falta ar, água e luz. Nesse túnel em que me encontro não alcanço as delimitações, tampouco o seu trajeto. Seja em curvas ou em linha reta, apenas ando: um pé a frente do outro. Pela demora às vezes me pergunto se não os tenho confundido deixando um atrás do outro, sem perceber. Nunca fui muito boa em ritmos: sorte de quem me honrasse a dança e não a terminasse com um belo pisão no pé.
Tempo passa. Passa tempo.
É outono denovo, se ainda não for a primavera. Sabe, também nunca foi boa em contagens: os calendários sempre me pareceram cruéis demais, ao ponto de me fazerem crer que hoje é menos um dia. Amanhã já é hoje e outro dia menos todos que ainda virão. E se eu fosse parar pra contar, realmente, não me restaria um dia sequer.
Tempo passa, Passa tempo.
Preciso de um espelho, de reflexos. Não conheço mais a mim mesma. Não sei o quanto envelheci, e qual será o olhar que encontrarei na essência do que sou. Não sei mais que sou e, ainda, se sou. Quando perde-se a referência é quase impossível dizer o que se resta. Se resta.
Tempo passa. Passa tempo.
Esperaria o próximo outono: pouparia folhas. Mas acho que não chegarei tão longe. Estamos no inverno, e o frio da saudade me faz perder as esperanças. Esperança de que?
Tempo passa. Passa tempo.
Tive esperanças de um futuro. Ilusão? O futuro é tão incerto quanto eu mesma, e agora me vejo como enxergo a quem ao meu redor vive: fantoches agindo sob as minhas ações. Sim, pois, na esperança de conseguir fazer de mim isso ou aquilo, se age dessa ou daquela forma. No entanto, não altera.
Na incessante busca pelo meu eu, os outros nem sequer conseguem compreender o eu próprio. Agiriam, ainda assim, da mesma forma alienada caso conseguissem enxergar pelo lado de fora?
Tempo passa. Passa tempo.
Tempo passa. Passa o meu tempo.
Tempo passa. Passatempo.
Tempo passa. Meu passatempo.
Meu passatempo fazei passar todo o tempo que ainda não passou: anseio por um tempo que não passe. Pelo meu tempo. Pelo nosso tempo, que nunca é tarde o suficiente para deixar de existir.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Eu mesma: a evasão.

Poderia trancar-me no quarto e diversas horas passar viajando dentre os mundos fantásticos dos livros de minha cabeceira. Entre fadas, guerras e psicos, temo que hoje não haja espaço para mundo algum, a não ser o meu mesmo.
Eu nunca consegui distinguir em qual mundo vivo de verdade, ou ainda se vivo de verdade ou de mentira. De ilusões: seria mais propício. Acredito em tudo que vejo, e desconfio na mesma proporção. Sempre foi assim, já que o que chamam de confiança sempre guardei a sete chaves: tanto quis, que algum belo dia destranquei todas as fechaduras.
Por acaso do destino ou não, tanto temi que fiz exatamente aquilo que não faria: joguei-a ao vento como quem solta um pássaro que acabara de aprender a voar. Voou alto, tão alto que perdeu totalmente o controle. Ele caiu.
Entre mim mesma e tudo que ao meu redor existe, considero uma eterna troca: de sabores, de cheiros e de pensamentos. Sempre que tenho algo a oferecer, eis o meu papel. Quando não, busco o meu outro: aprender.
O aprendizado de cada um é regido pela capacidade de interpretação do mesmo. Uma frase pode revelar diversos sentidos que quem a falou jamais imaginara; pode originar vários desfechos, dando um rumo diferente a cada ponto de vista. Palavras são poderosas, e, dependendo de quem as use, terá êxito ou não.
Sempre tive medo das minhas próprias: elas nunca soaram tão claramente para que refletissem seu único sentido. A evasão sempre me acompanhou, deixando por quem passe na minha vida aquela eterna dúvida de que se aquilo que ouviu foi o mesmo que se foi dito. Poucos percebem.
E eu, no meu papel de mim, nunca revelei a certeza ou o engano.

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Rotina?

Um dia após o outro: é assim que a rotina se desenvolve, o que se torna singular é o modo como se organiza. O problema é como organizar alguma coisa, já que os meus dias vêm se preenchendo com nada vezes nada durante a semana. Sexta, sábado e domingo: deveria se resumir apenas assim.
Nunca pensei que fosse tanto querer ter professores, aulas e provas como agora. Talvez isso sirva pra eu nunca mais esquecer como é importante manter ativa toda aquela correria de faculdade, casa, estudos e saídas. Sem isso parece que perde todo o sentido.
É engraçado me ver em alguns anos atrás, onde eu não tinha vontade nem de levantar da cama para ir à escola. É engraçado perceber também como todas as outras ações estão intimamente interligadas.
O mais engraçado ainda é perceber que pouca coisa continua igual, e que quando eu dizia 'nada pode mudar' eu realmente não tinha me dado conta de como seria ser grande. Ou relativamente grande, como preferir. :)
A minha vontade era manter todos os momentos vivos em cada novo momento; na ilusão de que um dia conseguiria, carrego nas lembranças esses que nunca se tornarão banais o suficiente para serem esquecidos no tempo.
Até mais.

domingo, 29 de abril de 2007


Eu tinha controle da marcha e também do volante. Mas a velocidade me escapava sempre que algo me aparecia a frente e a situação ostentava perigo. Não tinha ninguém ao lado, o banco do motorista estava vazio, e até hoje não entendo como não consegui alcançar o freio. A velocidade auemntava com o passar de cada minuto, juntamente com o meu desespero. Pedia com todas as forças para o caminho ficar livre, e todas as preces foram atendidas até certo ponto. Era um carro escuto que andava em sua velocidade normal na faixa esquerda da pista dupla: não tinha local para ultrapassagem. Mesmo não sendo permitido, fui pela direita, onde encontro logo a frente um carro vermelho com a velocidade mínima: ele também estava na sua mão. Parece que eu me coloquei exatamente no que dizem hora errada e local errado. Eu morri.

Mas será mesmo que era tão errado? Porque às vezes costumo pensar que sempre foi certo demais...

sábado, 28 de abril de 2007

About me




Conte-me tudo aquilo que não contaria a mais ninguém, mas só após ter a certeza de que seria como se não o tivesse dito. Para isso, só é preciso o respeito, já que a reciprocidade, embora dificil de ser alcançada, exige um tempo considerável.Nunca minta, nem mesmo pra me trazer conforto: fale a mais clara das verdades, uma vez que tudo que fazes, receberás em dobro.Seja amor, ou seja indiferença, seja verdadeiro, expressivo e, principalmente, único. Porque é justamente a singularidade de cada um que eu levo sempre comigo.Não acredito que a distância deixe lugares vagos, portanto: esteja onde estiver, estarei sempre por perto daqueles que chegaram a ser, no mínimo, ESPECIAIS.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Quase

Estava na flor da idade, com o amor batendo a porta. Abraçou-o com todas as suas forças desejando ser aquele um momento único, em que o tempo parasse e ninguém mais existisse ao redor. Ninguém, pois não queria correr o risco de submeter-se a todas as outras energias que circulavam estranhamente sua vida. Por mais que tentasse ser forte, a influência sempre se sobressaía a todas as suas forças: era como se suas atitudes perdessem a autonomia e passassem a ser dirigidas por alguém quase inexistente.
Já era a segunda vez que se sentia daquele jeito: frágil e vulnerável a qualquer palavra alheia. Por se perder nas lembranças, a primeira não serviu como um exemplo claro de como deveria agir. Ele se via perdido em meio a repetição da sua vida. Era como se estivesse vivendo um momento pela segunda vez. Não igual, claro, mas com as mesmas conseqüências.
Passaram-se 6 meses. “Chegou a hora”, pensou ele. Fez então o que achava que deveria ser feito: pediu a mão daquela que era a única. Com toda a magia e sinceridade com as quais se conheceram, ele lembrou-se da primeira vez que a viu, e de como nervoso ficou de apenas se aproximar. Para ele, ela refletia toda a singularidade que ele jamais vira.
Casaram-se sob a bênção de suas religiões. E foram felizes, com um quase para sempre. Da união, brotou uma flor, que deram o nome de Maria: aquele que era pra ser a propagação dos sonhos que tiveram enquanto adolescentes, acabou se tornando o maior tomento na vida daquela mãe. Não que a filha não fosse bem vinda, mas sim porque foi a partir daquele momento que ela percebeu que nem sempre tinha a mesma pessoa ao lado.
Ele perdeu a ternura: tornou-se frívolo e indiferente para os próprios sentimentos. Era como se nada houvesse existido, e eles tivessem simplesmente acordado de um longo cochilo.
Os nove meses de gestação foram uma tortura, pois o amor que aquela mãe tanto sonhara estava incompleto. Muitos diriam que a paixão teria chegado ao fim, mas, então, isso também justifica a sua substituição por um sentimento tão frio e amargo?
A menina nasceu. Seus olhos grandes e escuros olhavam para o mundo como se aquele fosse o seu maior presente; e, ao aguardar pelo choro que anunciava a sua chegada, a pequena garota sorriu. Sorriu. Era a última vez em que ele também sorriria.
Dotada de gestos meigos e carentes, aquele bebê logo se tornou uma garotinha, ansiosa para descobrir os porquês de toda a existência. Não lhe faltava oportunidade de perguntar como e quando, de observar e, algumas vezes, de dizer o que achava. Parecia que sua voz de criança camuflava a grande mulher que ali habitava.
O tempo passou. Mas ele mal pôde ver o começar dos passos daquela pequena que havia crescido. Não só no tamanho: as provas vivas da vida a expôs numa roda gigante viciosa, onde mal se podia subir, já estava descendo novamente. E ela passou por tudo isso. O tempo também, e continua passando, porque ela ainda continua uma criança.
Ele olhava para aquela que refletia parte de sua existência e a via como o único amor que ainda restava, já que sua outra parte havia se perdido. Ele a olhava como um pássaro que observa sua prole no ninho, no entanto, pairando sobre o ar, pois nem mesmo os anos puderam dar a ele a coragem de que precisava para se dirigir a ela como sendo um pai e uma filha.
O tempo continuou passando.
Maria completava, enfim, seus 20 anos. Faltava apenas um ano para terminar sua graduação em Psicologia, e dali partiria para França, ou qualquer outro lugar que a levasse para bem longe. Qualquer outro lugar que fizesse dela o mesmo que a vida fez com todos os seus familiares.
Apesar das inúmeras perdas que sofreu, ela nunca perdeu o brilho e a magia da sua vida. Vida essa que mal tinha começado.
Ele, seu pai, havia assistido de perto, porém longe, a todas essas épocas e mesmo vendo tudo tão nitidamente, nada fez. “Ela mal pode saber quem sou”, ele pensava.
Os anos o castigavam como um inverno castiga os fazendeiros aos tirar-lhes as suas colheitas. Ele tinha deixado de viver a vida. Trocou o prazer de todo o mundo que o rodeava, pelo medo de arrepender-se de uma futura perda. Tê-la ali, mesmo longe, para ele, era ainda assim, te-la. Mais valia a incerteza de que seria rejeitado, do que a comprovação desse fato.
Maria foi embora, e como vivia sozinha, foi sem dizer para onde ou com quem.
Após alguns meses, ele recebe uma carta, onde o remetente assinava apenas como: “sua única filha.”
“Meu Pai,
Se somente hoje te escrevo, não foi pela falta de oportunidades, pelo contrário: todos os dias me davam motivos novos para eu te dizer como estava, o quanto tinha crescido, e como era linda a vista daqui de cima.
Não sei se o senhor sabe, mas comprei um apartamento aqui em Sótca, de onde dá pra ver a cidade inteira, inclusive o mar. Diversas vezes me vi sentada aqui, escrevendo uma coisa ou outra para sabe lá quem, só para dizer que tudo estava no lugar.
Eu sempre tive saudades não sei do que, e sempre me senti acompanhada, mesmo estando tão só nesse apartamento quarto e sala. Tudo o que até hoje consegui foi fruto de muito esforço e dedicação, assim como você e Mamãe também o fizeram. Diferente de vocês, porém, eu nunca tive “um ao outro“. Mas posso dizer que ela sempre refletiu bastante o que você seria na minha vida. Era possível distinguir cada atitude, sendo como sua ou dela. A melhor escolha da sua vida, aposto.
Vida, Meu Pai. Se me pedissem hoje um exemplo de vida, eu diria você. Para mim, você é a mais bela representação de vida que já tive até hoje. A vida nunca nos aparece literalmente, no entanto sabemos que ela sempre está ali, presente em todo o lugar, olhando tudo ao nosso redor, e fazendo com que cada coisa aconteça exatamente como tinha de acontecer. A vida é uma quase sombra, que nos persegue, com a diferença que: não somos nós que temos a vida, pois essa não permite ser possuída, apenas manobrada. É ela quem nos possui, e dependendo das nossas atitudes, nós vivemos ou, simplesmente, existimos.
Essa é a nossa diferença, pois todo esse tempo você existiu, e eu vivi.
Triste ironia do destino me levar embora com a metade da sua idade, e com o dobro da sua vida. Hoje meu pai, eu viro a representação de vida para você, e sua única missão agora é que viva! Porque eu, ainda assim, continuo existindo.
Nos encontraremos, sem pressa, claro. Eu notei desde o começo que calma sempre foi a sua melhor qualidade. Mas cuidado: são as melhores qualidades que nos armam as mais perversas carapuças.”
Ele ficou incrédulo durante um bom tempo, e caiu em lágrimas. Mas percebeu, enfim, que o tempo, por um momento, pareceu parar.
Pareceu gritar: VIVA!

domingo, 22 de abril de 2007


As cortinas se fecham. Do pequeno rastro que me deixa livre ao outro lado, vejo pouco: azul, branco, verde. Uma aquarela intermitente poderia se formar, caso não soubesse o que delimita tais cores. O mesmo que me tira a visão, me tira também a audição, o balançar dos cabelos e a pureza do que não se pode ver. Ao formar-se com seu par, tais cortinas me deixam na solidão desnecessária para aquele momento. É como se o mundo inteiro tivesse se restringido a uma pequena parcela do céu e dos coqueiros.
Basta fechar os olhos, para começar a enxergar além do que se pode ver. O banco na beira da praia rodeado de pais que olham seus filhos correrem de sungas para lá e para cá, com gritos alvoroçados e felizes, de crianças que, de longe, vivem toda a crueldade que as cerca. A inocência nos olhos das mesmas passa a ser anulada pela inquietação eminente nos olhos de seus antecessores, pois dali ao momento próximo aquela poderia ser a última corrida, a última brincadeira e o último sorriso.
Não há lugar seguro. A segurança é um direito que não pertence mais às pessoas, à natureza ou aos animais. Quem sabe os carros, poupanças ou mobílias possam fazer melhor proveito delas?
Perdeu-se no mundo. E seria como procurar o último grão de areia formado na beira da praia. A mesma que afunda os pés, que constrói castelos e que os destrói. A mesma que guarda vida, que guarda esperança. Afinal, quem nunca procurou o impossível a cada monte de areia retirado do seu lugar. O máximo que achei foi mais areia. Com uma variação de cores, tudo bem, mas o que não anula sua essência.
A essência se perdeu no mundo. Essência de ser humano. Seja ele pobre, rico, branco, negro, amarelo. A essência é a mesma. E quando disseram que todos os homens são iguais perante a lei, era a isso que se referiam - pelo menos no meu conceito teórico, já que na prática ocorre totalmente o inverso. Do respeito, do amor, da vida. Nós ganhamos de presente o mundo inteiro. E o mundo inteiro, o que ganhou de presente? Aliás, o que ele perdeu, como presente?
A cada minuto que a vida celebra, a morte espera. Mas, mais uma vez, querem inverter os papéis, deixando que a morte seja o tão celebrado momento. Será por isso então que bebês choram ao nascer? “Me deixe continuar morrendo!” Bem sarcástico para uma bolinha de vida que quase não enxerga ainda. Mas, o mais sarcástico, é ver crianças com ar de gigantes acreditando ser os donos do mundo, que tudo podem, que tudo querem. A vida não é um dever: é um direito. Assim como a morte. Cada um tem o direito de nascer e morrer da forma como lhe foi guardada.
Vida humana. Mas, então, de onde vêm os barulhos que me cercam agora? Agora, nesse instante, em que minha mar dorme e tudo está fechado, esperando o dia acordar para poder viver de novo. É essa a aparência que os objetos de casa me trazem: a que eles dormem com a lua e acordam com o sol. Mas, se fosse assim, realmente, os trincos de portas e janelas devem estar com insônia ultimamente. Ou então eu ganhei novos amigos, quem sabe.
Voltei para a praia, para a cortina e para o seu par.
Costumava acordar todo domingo às 8:00 da manhã com a celebração de tambores e ardentes vozes, em meio a um objetivo que nunca descobri. Revoltava-me ter meu sono interrompido por anarquistas que madrugam em pleno fim de semana. Vejo, hoje, o quão tropeço nas minhas próprias opiniões: sempre disse que não se deve julgar os outros pelo o que se parece, no entanto, diversas foram as vezes em que já me deparei comigo mesma. Percebe-se, que o primeiro conceito é relembrado apenas quando a vítima passa a ser você mesma, já que é bem difícil para muitos pensar no próprio bem-estar e ao mesmo tempo no bem-estar do outro. Mas é, eu venho tentando.
Sim, voltando a parte em que eu acordava... Acordei diversas vezes ignorando toda a luz que me cobria, e toda a alegria e simplicidade daqueles que comemoravam algo incomensurável na minha cabeça de adulto. Digo de adulto, porque quando em vejo cega para pequenos detalhes como esses, é porque vejo a criança que sempre existiu em mim adormecida. Isso já não é o caso de desespero: agora costumo acorda-la todos os dias, na mesma hora em que me acordo, pois, para encarar a realidade com a incoerência de um adulto, é como se jogar de um precipício que continua caindo, lentamente, sem fim.



Durante muito tempo vou me restringir a apenas observações e escritos não pensados os quais guardarei aqui. A dormência de estudos poderia me trazer o mais puro dos alívios de prolongadas férias, mas em seu lugar reside a interminável inquietação das palavras que nunca calam.


Maceió, 04.03.2007

Meu filho, enquanto escrevo ainda sou jovem e não faço a menor idéia se, no dia em que leres isto, , estarei viva para vê-lo. No entanto, saberás que sua mãe nunca teve medo da vida e viveu de forma única todos os dias que pôde: subindo um degrau de cada vez, sem usar ninguém como apoio para obter vitórias. Espero que te sirva, não de lição, mas como exemplo, se este não puder ser dado pessoalmente, me desculpe... É que não é possível prever até onde tal estrada me levará.
Tenho na memória as diversas lembranças da minha juventude. Algumas se perderam, mas as que realmente tiveram significado carrego comigo para qualquer lugar que eu vá. Fazem parte do meu corpo, da minha mente e do meu coração. Escrevo-te não para te falar sobre a vida, já que esta não aceita explicações e teorias, e sim para te dizer que sobre ela, não se precisa saber, descobrir ou temer algo. Viva todos os dias, um de cada vez, sem se preocupar muito com o amanhã, e sem relembrar muito do passado. Tenha sempre na mente o HOJE, o AGORA. O passado já não se pode mudar, e o futuro... bem, esse você nunca terá a certeza de que realmente virá.
Seja bom com você mesmo e com os outros. Trate cada pessoa como gostaria de ser tratado, sempre com muito respeito e muita humildade. Não digo que deva destratar aqueles que o fizerem, contudo, conserve a indiferença para certas ocasiões (você saberá na hora certa). Seja o melhor que pode ser, sem ter medo de se machucar. Mas cuidado: antes de tudo, ame-se, com todas as suas forças, com todos os seus sentimentos. A representação que a sua pessoa terá na vista dos outros é você quem irá construir. Uma vez que se sinta feio, inferior e sem capacidade, é justamente isso o que irão ver em você. Portanto, sempre se sinta capaz de qualquer coisa, de vencer qualquer desafio; porque eu aprendi, a duras penas, que querer pode até não ser poder, mas o SENTIR pode mover rios e montanhas.
Guarde contigo todos os bons sentimentos: um dia verás que a união de todos eles será a base da sua vida. Mantenha tal base. E lembre-se: ninguém no mundo é responsável o suficiente para ser posto nesse local, a não ser você mesmo. Uma vez, quando tinha 14 anos e tive meu primeiro namorado, fiz dele o meu rumo e a minha segurança. Após o namoro de um ano e meio que tivemos, tinha perdido as referências da minha vida, do meu eu. Aquele eu que ele nunca conseguiria me explicar, pois nem o próprio o conhecia.
Já fui muitas, em diversas situações. Não que isso signifique que eu não tinha personalidade... pelo contrário! A diferença é que eu mudava com o tempo pois era ele que me fazia crescer e enxergar os fatos sob outro ângulo. Sob o meu ângulo, sob as minhas medidas e de ninguém mais.
Quando gostar de alguém, vá em frente. Lute até o seu limite. Mas não lute tanto. Saiba medir a sutil diferença entre GOSTAR e POSSUIR. Saiba também ver até onde os seus sentimentos podem o levar, sem deixa-lo que se inferiorize para conquista-los. Certas vezes é melhor desistirmos da pessoa que gostamos, do que desistirmos de nós mesmos. NUNCA ESQUEÇA ISSO, MEU AMADO FILHO.
Quando gostarem de você, tenha caráter e seja sincero: sem grosseria e com toda a delicadeza que um homem deve tratar uma mulher. Sinceridade, meu filho, é algo que pouquíssimas pessoas no mundo possuem, e eu espero que você saiba usa-la como uma arma de apoio e não de luta. Ah, e antes que esqueça... nunca tente gostar de alguém, meu amor... O sentimento mais puro e sincero são aqueles que não precisam de desejo para começar.. eles simplesmente surgem. Quando se explica demais o que se sente, é porque na verdade é o que gostaríamos de sentir, mas na verdade o que existe é um enorme vazio, sem dono, com apenas uma ilusão: a de amar.
O amor é o mais simples dos sentimentos. Ele é a base de tudo. Ame, sem medo, sem vergonha. SE AME! Não diga sempre o que carrega no coração, só as vezes... pode soar como mentira repetir que se ama ou que se adora periodicamente. Goebbles, ministro de Hitler, disse uma vez que “Uma mentira dita mil vezes, tornar-se-á uma verdade” e eu realmente acredito nessa teoria.
Cuidado com as palavras, com os atos: ambos são aliados, mas podem também ser muito perigosos.
Não guarde mágoas, ódio ou rancor. Pense sempre que pessoas que despertam esses sentimentos possuem uma energia passada que precisa se renovar, e que, diretamente, a culpa não é delas, e sim do seu passado. Não peço para que acredite em muitas vidas, meu filho... Apenas acredite naquilo que a vida te mostrar, sob o seu ponto de vista. Esse é o meu.
A vida nos põe diante de situações onde sempre há dois caminhos, onde você escolhe qual seguir. É a partir deles que a continuidade da sua estrada estará sentido.
Pra tudo existe opções, meu filho.
Assim como para essa carta também existe: você pode desconsiderar tudo que aqui está escrito e esquecer ou pode levá-la sempre com você, não o material em si, mas, no mínimo, a voz mais baizinha da sua mente.

Com amor,
Sua mãe.