segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

17.12.2007

A cidade fechou os olhos. Por dois segundos me peguei parada na cadeira olhando ao redor, mas as pupilas ainda não tinham dilatado o suficiente para reconhecer aquilo que vejo todos os dias. A minha avó não gosta de escuro, eu esperava apenas o tempo suficiente para poder caminhar pela casa livremente, porém, antes disso, ouvi a sua voz me chamando, aliás, para apenas confirmar que eu estava mesmo ali por perto.
Fui até a sala e acendi a lanterna que fielmente todas as noites ela carrega até o sofá, por precaução. As pilhas, no entanto, estavam falhas, seria necessário apelar, pois a minha avó não é do tipo de pessoa que espera 3 minutos para que se faça o melhor, o suficiente feito em meio minuto é o seu limite. Então fui a cozinha, peguei o fósforo e a vela (é, ela também separa esses objetos como precaução, para quando as pilhas estiverem fracas, como dessa vez) e trouxe-os de volta à sala.
A luz laranja é o único modo de se enxergar nessa escuridão em que nos encontramos. Ela ali, na sua cadeira de balanço, com as pernas apoiadas na cadeirinha a sua frente, olhando para um nada, sem direção, mas com um turbilhão de pensamentos na cabeça. É assim que ela se encontra na maioria dos dias, pensativa. E eu gostaria de nessas horas poder saber o que estaria se passando, quais lembranças estaria revivendo e de quem é a saudade que sente.
Se o meu avô estivesse aqui ele contaria uma história, daqueles que têm uma moral quando chega ao fim, e que sempre me deixavam arrepiada, ou então uma de terror: creio que a minha cara apreensiva o divertia, mas ele nunca me deixara aflita, eu adorava.
Essa sensação é estranha, parece que a vida escorre pelos dedos e que esse próximo momento é menos uma oportunidade, menos um minuto.
Passeio entre os olhares de vidro que estão na minha sala, entre os corpos invisíveis que aqui descansam e entre o passado e o futuro que me criaram. Nunca fui sempre igual, mas ajo do mesmo modo. Não espero que as coisas aconteçam, nem escuto o que me dizem pra fazer; faço e falo sem medir as conseqüências, sem pensar. Costumo preferir o arrependimento pelos meus atos que pelas minhas vontades omitidas.
Não existe um meio termo: para cada momento há sempre duas possibilidades que no fim darão continuidade a estradas totalmente distintas, porém coerente. Não há uma volta, mas pode haver um conserto: erros implicam aprendizado, e isso é fato.

Olhe sempre para frente, sem, no entanto apagar as lembranças: estas nos dão forças e coragem. Cuidado, apenas, para não querer ver além do que se pode enxergar: em um longo caminho há períodos de luz e há a falta deles, há também as grandes projeções que veremos a frente, porém, não passam de imagens que, dependendo de quem olhe, ilude por tempo suficiente para a queda nunca ser esquecida. Não precisa dizer o que é, ou o que não é: faça apenas o melhor que pode ser feito: a própria consciência é a mais concreta prova de que você é a referência de si mesmo, e não a projeção a partir de outrem.

domingo, 9 de dezembro de 2007

"Criou-se um circulo vicioso, onde a demanda por cuidados com a juventude, a beleza, a forma física, a realização sexual e o bem-estar perene nutre-se da miséria econômica dos mais pobres e alimenta a miséria psíquica dos mais ricos.
O que era antes refúgio contra a dureza do mundo e espelho da moralidade, deu espaço a um conjunto de indivíduos que possuem a chave da mesma casa, como disse um humorista. A família virou palco de querelas entre adultos e adolescentes, pelo “direito à felicidade” ou à “relização do próprio desejo”, tornando-os mais intolerantes uns com os outros. O exercício da solidariedade é dinaminatado do topo à base." (Parte do texto "A ética democrática e seus inimigos")

Começo, por assim dizer, transtornada pela situação em que me encontro: de olhos abertos, diante de uma realidade omissa a tantos que se dizem críticos e bem resolvidos. Não sou uma coisa nem outra, pois para alcançar tal estágio de indignação nenhuma dessas qualidades teria efeito, a não ser retrógrado.
Já cansei de me perguntar e perguntar aos outros o que se faz, como se faz e onde se faz: se faz? Ninguém sabe responder. Não os culpo, pois seria bem injusto da minha parte atribuir culpa a ele ou a outrem. São as nossas raízes e atitudes (alias, a falta delas) que ficaram para trás e brotaram o que hoje temos de mais incoerente: diferença.
Esta, não se reflete nos gostos, nos modos nem nas opiniões. No entanto, se torna gritante ao comparar os direitos naturais dos seres humanos.
As pessoas já deixaram de acreditar que algum dia possa haver mudança e uma melhora em qualquer que seja o aspecto. Já deixaram de acreditar até mesmo naquele sentimento que é a base de todas as relações: sejam elas particulares ou profissionais. O amor já caminha entre futilidades e utopias, que muitas vezes já não se consegue nem mesmo projetar. Até mesmo o amor entre pais e filhos, uma vez que esse é tido como mera relação de necessidade e dever. É assim mesmo?
Hoje na missa do 2º Advento, no comentário liturgico, uma senhora fez um breve relato de uma suposta história que me chamou a atenção. A história, dita por ela como fato verídico, era contada às crianças que lá estavam. E isso me deixou feliz, pois me fez lembrar da minha época de historinhas com uma moral cujos dizeres sempre me deixavam pensativa. Senti-me com 7 anos de idade, deitava no sofá da sala, com o meu avó alisando meus cabelos e me contando uma das muitas para a minha coleção. Ele adorava. E eu também.
Pensei, então, que hoje, é isso que falta! Mas não foi o meu avô quem levou embora, simplesmente toda essa reciprocidade de alegria e satisfação perdeu-se num mundo onde a felicidade é buscada em lugares adversos, com 'tecnicas solucionadoras de problemas' ou em pessoas que você nunca viu antes.
Voltando à história da Igreja, a Senhora perguntou quem conseguia ver Jesus nbo proximo. Muitos levantaram a mão, no entanto, ela tornou a perguntar, mas acrescentou "Quem consegue ver Jesus no próximo que dorme nas calçadas cobertos com papelão?" As crianças que estavam sentadas nas duas primeiras filas ficaram pensativas. Elas consegueriam? Eu não as julgaria pela falta de resposta, afinal, quantas vezes olhamos com indiferença ao passarmos por uma cena semelhante?
Nós, ao não fazermos nada para ajudar, e, com o silencio, consentir com o tudo no mundo, damos direito e até mesmo a obrigação de todos eles, aqueles que nada têem, de agir na mesma proporção. Eles aprenderam bem a lição, e mostram seu aprendizado a cada que assaltam, matam, estupram ou sequestram. Li hoje, nesse mesmo texto, que eles aprenderam muito bem a lição que seus mentores, ou seja, nós mesmos, os ensinamos.
E todo o sentido de mundo, de união e fraternidade desaparece num piscar de olhos, devido a indiferença que todo ser humano trata as questões que não dizem respeito ao próprio nariz.
Será assim por muito tempo ainda, e eu não sei como muda.



No mundo em que se vive, já não se pode distinguir entre a “miséria econômica dos mais pobres” e a “miséria psíquica dos mais ricos”, uma vez que ambas padecem no vazio de um abismo semelhante.