terça-feira, 15 de maio de 2007

Passatempo.

Tempo passa. Passa tempo.
Foi ontem que nós nos conhecemos. Não, não. Não ontem. Mas um dia atrás que, consideravelmente, não é hoje nem tão longe pra se considerar um passado. Apesar de ter na mente que passado é tudo aquilo que já aconteceu, tenho uma percepção de tempos remotos que se perderam no tempo. Nós não nos perdemos, não ainda, enquanto escrevo.
Tempo passa. Passa tempo.
Os dias castigam, assim como a falta de água castiga todas as flores que esperam brotar na primavera que se aproxima. Elas guardam, durante meses, todo o sentimento que as rege, toda a energia, toda a vida! Mas elas, unicamente a sós, não podem fazer viver. É como um par: um não existe sozinho. A água por si só pode até existir, porém, é a necessidade de sobrevivência que a faz pura.
Tempo passa. Passa tempo.
Já é outono e somos quase passado. Falta ar, água e luz. Nesse túnel em que me encontro não alcanço as delimitações, tampouco o seu trajeto. Seja em curvas ou em linha reta, apenas ando: um pé a frente do outro. Pela demora às vezes me pergunto se não os tenho confundido deixando um atrás do outro, sem perceber. Nunca fui muito boa em ritmos: sorte de quem me honrasse a dança e não a terminasse com um belo pisão no pé.
Tempo passa. Passa tempo.
É outono denovo, se ainda não for a primavera. Sabe, também nunca foi boa em contagens: os calendários sempre me pareceram cruéis demais, ao ponto de me fazerem crer que hoje é menos um dia. Amanhã já é hoje e outro dia menos todos que ainda virão. E se eu fosse parar pra contar, realmente, não me restaria um dia sequer.
Tempo passa, Passa tempo.
Preciso de um espelho, de reflexos. Não conheço mais a mim mesma. Não sei o quanto envelheci, e qual será o olhar que encontrarei na essência do que sou. Não sei mais que sou e, ainda, se sou. Quando perde-se a referência é quase impossível dizer o que se resta. Se resta.
Tempo passa. Passa tempo.
Esperaria o próximo outono: pouparia folhas. Mas acho que não chegarei tão longe. Estamos no inverno, e o frio da saudade me faz perder as esperanças. Esperança de que?
Tempo passa. Passa tempo.
Tive esperanças de um futuro. Ilusão? O futuro é tão incerto quanto eu mesma, e agora me vejo como enxergo a quem ao meu redor vive: fantoches agindo sob as minhas ações. Sim, pois, na esperança de conseguir fazer de mim isso ou aquilo, se age dessa ou daquela forma. No entanto, não altera.
Na incessante busca pelo meu eu, os outros nem sequer conseguem compreender o eu próprio. Agiriam, ainda assim, da mesma forma alienada caso conseguissem enxergar pelo lado de fora?
Tempo passa. Passa tempo.
Tempo passa. Passa o meu tempo.
Tempo passa. Passatempo.
Tempo passa. Meu passatempo.
Meu passatempo fazei passar todo o tempo que ainda não passou: anseio por um tempo que não passe. Pelo meu tempo. Pelo nosso tempo, que nunca é tarde o suficiente para deixar de existir.

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